terça-feira, 6 de maio de 2008

Devaneio etílico



Meu professor sempre disse que devemos estar preparados para todos os tipos de imprevistos com essas invenções modernas. Tipo se temos algo gravado no computador, têm que ter outro em um CD ou coisa do gênero. Melhor ainda se for por escrito e arquivado em uma gaveta.


Eu achava a coisa mais inútil do mundo. Tipo: pra quê ter uma agenda telefônica convencional se eu posso ter infinitos números na memória do celular? Particularmente, não consigo mais viver sem celular, são anos luz de praticidade. Não precisa de decorar números, anotar... nada! Um simples toque, a gente coloca o nome da pessoa e já podemos estabelecer uma conexão. “Não sei se iria sobreviver à base de agendinha de papel. Que coisa arcaica!” Eu dizia. Mas isso era antes daquele dia... Nossa, e que dia! Nem consigo lembrar, por vergonha e pela cachaça. Oito doses, mais limão e sal! O famoso “cu de burro”. Fiquei bêbado por menos de cinco reais e perdi a festa que paguei 25. Uma troca justa, não acha?


Bem, mas vamos começar do início, que vocês vão passar a ter noção do que é uma noite alucinante, pelo menos pra mim. Era sexta-feira da paixão, pegamos – eu e mais quatro, duas eram mulheres, uma era irmã de um dos meus amigos, outra minha prima - o carro do pai de um dos meus amigo emprestado e fomos curtir a night. Todos estavam quebrados. Fui a vítima da vez para encher o tanque e massacrar meu limite no banco. Sem dinheiro e para aproveitar a festa o máximo possível o jeito seria ficar tonto para conhecer o maior número de meninas possível. Aí vieram as doses brancas, amarelas... A cor que viesse era lucro. Por oitenta centavos parecíamos estar na vantagem. O vendedor dizia “nem eu agüento beber o tanto que vocês estão virando!”. O sábio aqui revidava: “Somos profissionais experientes!”


Até aí tudo bem, mas o efeito veio logo. O meu parceiro fiel na cachaça já dava sinais de desistência quando resolvi comer alguma coisa. De repente o efeito vem á tona e derruba ele. O meu outro amigo, não bebeu por que estava cumprindo a penitência do dia. As duas escandalosas começam a se desesperar. Chamou o Raul! Pronto, acabou a festa! E eu, ainda estava apenas começando. O jeito é levar o demente para tomar glicose. O carro estava lá na PQP, então entra todo mundo no táxi. “Quatro no máximo!”, grita o motorista. Alguém tem que se fuder, né? Foi eu! Fiquei plantado esperando a volta DOS MEUS AMIGOS. Não sei quanto tempo depois, o jeito foi ligar pra um deles. Merda! Celular sem bateria! Era o que faltava para completar a minha noite perfeita.


Até aqui, só me recordo de flash’s, ou pelo ódio, trauma de me abandonarem ou pelo álcool. Prefiro acreditar que seja a segunda opção. Já devia beirar às duas da manhã e eu estava ali incomunicável. A partir daí, nascem duas linhas históricas do fato, a minha e a deles. Até hoje não sei em quem acreditar. Para eles aconteceu o seguinte: eu os esperava onde o carro estava estacionado, todos chegaram com o camarada arrebatado. Depois de pagarem por uma dose de glicose no posto de saúde, ele ainda passava mal. Eu como amigo queria ajudar, aí me tiravam de perto por que eu estava supostamente bêbado. “Odeio que me chamem de bêbado! Um pouco alterado até que vai, mas bêbado? Bêbado é aquele que fica jogado na calçada pedindo dinheiro pra comprar pão quando a padaria está fechada!” Enfim, disseram que fiquei putinho e saí correndo dali. Dalí!!! O cara dos relógios moles, exatamente do jeito que estava meu amigo: mole como um relógio de Dali! Se eu fosse poeta faria sucesso com um raciocínio deste, mas como eu sou um bêbado, né?


Voltando ao assunto. Na versão deles, saíram atrás de mim, rodaram por toda cidade me procurando e não me acharam, com isso me largaram perdido em uma cidade onde não conheço ninguém, ou quase, bêbado. Engraçado, né? Eu deveria estar brincando de pique esconde quando me procuraram.


Minha versão é mais coerente! Depois de ficar horas plantado esperando alguém me buscar após ser abandonado pelo táxi, decidi ir até o local onde estava o carro. Cheguei lá e surpresa: nada! Abandonado? Imagina, apenas me desesperei! Toda aquela incrível pressão psicológica, as perguntas do lead vieram na minha cabeça, mas não havia resposta lógica. Me senti um bêbado neste momento: sem teto, sem leito, sem amigos... Só não tinha ninguém para pedir dinheiro e comprar pão de madrugada para ficar completo. Um cartão telefônico em mãos, porém, sem utilidade. Não sei o número de ninguém de cor, só o da minha prima retardada que não anda com celular. O que pela lógica hoje em dia é o mesmo que sair pelada pela rua. Depois de muito tempo vagando sozinho pelas ruas desertas e gélidas daquela pequena cidade interiorana, uma pessoa conhecida. Sim, ela era conhecida. Uma amiga da minha prima que eu conhecia de vista, era minha salvação. Incorporei o Tony Ramos em mim e comecei atuação aos prantos: “Por favor me ajude fulana, meus amigos me abandonaram aqui sozinho, com frio, com fome, sem ninguém”. Ela retribuiu o abraço, ou seja, acreditou no choro, ou era dó realmente pela situação. Ligou pra minha casa, o único número que eu sabia de cor e avisei pra minha mãe que passaria a noite ali. Foi a salvação da minha vida!


Mas ainda tinha um problema, eu não podia dormir na casa da menina, eu era um estranho. Ela disse hotel, pensei “hotel não, hotel não!” Mas o namorado da menina morava lá na cidade, chegamos na praça e ele descolou a casa de um amigo dele pra eu passar a noite. “ÊÊÊÊÊ!” Depois de tudo isso já foi o suficiente para recobrar a consciência e dar conta de que eu havia sido abandonado. Talvez se eu tivesse escutado meu professor deste o início e andasse com uma lista de telefones – como esta – na carteira, poderia ter sido tudo diferente. Mas foi um momento incrível, eu poderia escrever um livro, um conto, uma peça de teatro e ganhar dinheiro com esses meus devaneios etílicos. Garçom, o troco é seu! Já estou até vendo nas prateleiras: “Nunca fiz amigo bebendo leite”, ou “Quatro doses de mim”, quem sabe “Um gole de poder”...